segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Inventando com Mateus: os guardas do sepulcro


De acordo com o Evangelho de Mateus 27.62-66, logo após o sepultamento de Jesus, aconteceu o seguinte:

“os príncipes dos sacerdotes e os fariseus dirigiram-se todos juntos à casa de Pilatos. E disseram-lhe: Senhor, nós nos lembramos de que aquele impostor disse, enquanto vivia: Depois de três dias ressuscitarei. Ordena, pois, que seu sepulcro seja guardado até o terceiro dia. Os seus discípulos poderiam vir roubar o corpo e dizer ao povo: Ressuscitou dos mortos. E esta última impostura seria pior que a primeira. Respondeu Pilatos: Tendes uma guarda. Ide e guardai-o como o entendeis. Foram, pois, e asseguraram o sepulcro, selando a pedra e colocando guardas”.

Segundo Mateus 28.11-15, os judeus colocaram a culpa nos discípulos pelo desaparecimento do corpo:
“[Depois da ressurreição de Jesus], alguns homens da guarda já estavam na cidade para anunciar o acontecimento aos príncipes dos sacerdotes. Reuniram-se estes em conselho com os anciãos. Deram aos soldados uma importante soma de dinheiro, ordenando-lhes: Vós direis que seus discípulos vieram retirá-lo à noite, enquanto dormíeis. Se o governador vier a sabê-lo, nós o acalmaremos e vos tiraremos de dificuldades. Os soldados receberam o dinheiro e seguiram suas instruções. E esta versão é ainda hoje espalhada entre os judeus”.
 

Os sacerdotes e fariseus se lembram de que Jesus havia falado que iria ressuscitar, e colocam guardas no sepulcro para que os discípulos não roubassem o corpo e dissessem que Jesus havia ressuscitado.

No entanto, tais relatos apresentam dificuldades insuperáveis. Primeiramente, os evangelhos nos dizem que os discípulos de Jesus não foram capazes de entender a profecia de Jesus de que ele ressuscitaria ao terceiro dia. Tanto que não acreditaram nela – razão para rechacharem o testemunho das mulheres no túmulo vazio. 

Os discípulos só acreditarem quando o próprio Jesus apareceu diante deles.

Segundo os evangelhos, Jesus fala ABERTAMENTE (sem parábolas, enigmas ou simbolismos) sobre o fato de que iria ressuscitar ao terceiro dia (cf. Mateus 16.21-26; Lucas 9.22-25; Mateus 20.19; Marcos 10.34).

Ainda assim, de acordo com Lucas 18.31-34, apesar de Jesus ter falado CLARA E ABERTAMENTE sobre sua ressurreição ao terceiro dia, os DISCIPULOS NÃO ENTENDERAM:

“Jesus chamou à parte os Doze e lhes disse: ‘Estamos indo pra Jerusalém, e tudo o que está escrito pelos profetas acerca do Filho do Homem se cumprirá. Ele será entregue aos gentios [...] e o matarão. No terceiro dia ele ressuscitará’. Os discípulos não entenderam nada dessas coisas. O significado dessas palavras lhes estava oculto, e eles não sabiam do que ele estava falando”.

Diante desse fato, é bastante estranho que os fariseus tivessem se lembrado e entendido muito e tão grandiosamente bem as profecias de Jesus sobre sua ressurreição ao terceiro dia. Segundo os evangelhos, Jesus discorre diante dos fariseus e outros grupos judaicos sobre a profecia de que ele ressuscitaria ao terceiro dia. No entanto, isso se dá de modo velado, obscuro e simbólico (cf. Mateus 12.40; 16.4).

Os pronunciamentos de Jesus aos fariseus sobre sua ressurreição ao terceiro dia eram tão figurativos e enigmáticos, que, de acordo com João 2.19,20, os judeus confundiram-se tentando interpretá-los:

“Os judeus lhe perguntaram: ‘Que sinal miraculoso o senhor pode mostrar-nos como prova de sua autoridade para fazer tudo isso’? Jesus lhes respondeu: ‘Destruam esse templo, e eu o levantarei em três dias’. Os judeus responderam: ‘Este templo levou quarenta e seis anos para ser edificado, e o senhor vai levantá-lo em três dias’? Mas o templo do qual ele falava era o seu corpo”.  

A pergunta é: se os próprios discípulos – que andavam com Jesus regularmente e ouviam tudo o que ele ensinava, inclusive as “técnicas” do mestre – não conseguiram entender e muito menos se lembrar de uma profecia falada tão abertamente acerca da ressurreição ao terceiro dia, como então os saduceus e fariseus conseguiram compreender e se lembrar de uma profecia que foi unicamente falada a eles em linguagem figurada?

Todos sabem que, se os próprios discípulos de Jesus não foram capazes de compreender a importância das previsões de Jesus sobre sua ressurreição, muito menos seriam os judeus, os quais tinham tido muito menos contato com Jesus.

A explicação é bem simples: Mateus, como qualquer outra pessoa cheia de paixão e admiração por Jesus, e querendo defender a fé contra as objeções dos judeus de sua época, inventou os guardas no sepulcro para dar mais credibilidade a narrativa e a crença de que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos.

Por isso, inventou que havia guardas no sepulcro – exatamente para dificultar a objeção judaica de que o corpo havia sido roubado.

Ou seja: mais uma vez fica provada a existência de ficção nas narrativas dos Evangelhos bíblicos.

Foi por isso que o “grande” e “poderoso” apologista cristão, Dr. William Lane Craig, um dos maiores defensores contemporâneos da historicidade da ressurreição de Jesus, confessa, com lágrimas nos olhos e catarro no nariz: “há razões para duvidar da existência da guarda no túmulo [...] parece ser melhor deixá-lo uma questão aberta”.

É como disse o estudioso e historiador Geza Vermes: “A Ressurreição de Jesus se apóia em fracas evidências”.  


Ainda:

Por quê, diante de um fato extraordinário como a "ressureição " de uma pessoa, os sacerdotes do templo, ao tomarem conhecimento pelos soldados, preferiram subornar os guardas para que eles "inventassem"  que os seguidores de Cristo teriam roubado seu corpo? Por que não reconheceram que Cristo seria o messias?